Descobrindo a Filosofia III
O filosofar
A
filosofia surge quando o pensar é posto em causa, tornando-se objeto de
reflexão. Não se trata, porém, de qualquer reflexão.
Examinemos
a palavra reflexão: quando vemos nossa imagem refletida no espelho, há um
“desdobramento”, porque estamos aqui e estamos lá. Refletida pela luz, ela vai
até o espelho e retorna — reflectere, em latim, significa fazer retroceder,
voltar atrás. Portanto, refletir é retomar o próprio pensamento, pensar o já
pensado, voltar para si mesmo e questionar o já conhecido.
Características do pensamento
filosófico
O
filósofo brasileiro Dermeval Saviani (no livro Educação brasileira: estrutura e
sistema), na tentativa de se aproximar de uma definição possível, conceitua a
filosofia como uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas
que a realidade apresenta.
Veja a
seguir esses três tópicos.
Radical
Em latim, radix, radicis
significa raiz e, em sentido figurado, quer dizer fundamento, base. A filosofia
é, pois, radical, não no sentido corriqueiro de ser inflexível — nesse caso
seria a antifilosofia!, mas porque busca explicitar os conceitos fundamentais
usados em todos os campos do pensar e do agir. Por exemplo, a filosofia das
ciências examina os pressupostos do saber científico: é ela que define o que é
ciência, como a ciência se distingue da filosofia e de outros tipos de saber,
quais são as características dos diversos métodos científicos, qual a dimensão
de verdade das teorias científicas e assim por diante. O mesmo se dá com a
psicologia, ao abordar o conceito de liberdade: indagar se o ser humano é livre
ou determinado já é fazer filosofia.
Rigorosa
São inúmeros os métodos
filosóficos em que se apoiam os pensadores para desenvolver um pensamento rigoroso, justificado
por argumentos, coerente em suas diversas partes e sistemático. O filósofo usa
de linguagem rigorosa para evitar as ambiguidades das expressões cotidianas, o
que lhe permite discutir com outros filósofos a partir de conceitos claramente
definidos. Por isso sempre cria expressões novas ou altera o sentido de
palavras usuais. Por exemplo, Platão criou o conceito eidos, que significa
“ideia”, para referir-se à intuição intelectual, distinta da intuição sensível.
No entanto, o conceito de
ideia seria reinventado ao longo da história da filosofia, assumindo conotações
diferentes em Descartes, Kant, Hegel e assim por diante. Enquanto a “filosofia
de vida” não leva as conclusões até as últimas consequências e nem sempre
examina os fundamentos delas, o filósofo especialista deve dispor de um método
claramente explicitado a fim de proceder com rigor. É assim que se inovam os
caminhos de reflexão, tal como o fizeram Platão, Descartes, Espinosa,Kant,
Hegel, Husserl, Wittgenstein.
De conjunto
A filosofia é de conjunto,
globalizante, porque examina os problemas relacionando os diversos aspectos
entre si. Nesse sentido, a filosofia visa ao todo, à totalidade. Mais ainda, o
objeto da filosofia é tudo, porque nada escapa a seu interesse. Por exemplo, o
filósofo se debruça sobre assuntos tão diferentes como a moral, a política, a
ciência, o mito, a religião, o cômico, a arte, a técnica, a educação e
tantos outros. Daí seu caráter
transdisciplinar, por ser capaz de estabelecer o elo entre as diversas
xpressões do saber e do agir. Por exemplo, o avanço da biologia genética
desperta a discussão filosófica da bioética; a produção artística provoca a
reflexão estética e assim por diante.
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